O Paradoxo do Cálcio

O Paradoxo do Calcio 











Em 1991, a Organização Mundial de Saúde (OMS) enviou uma Mensagem às Nações com o relatório denominado Alimentação, Nutrição e Prevenção de Doenças Crónicas. O documento dizia: “...A alimentação da população dos países que sofrem de doenças crónicas baseia-se no elevado consumo de alimentos de origem animal, que contêm muita gordura e proteína, e de alimentos processados ou preparados com gordura, açúcar e sal. Esta alimentação, rica em calorias e pobre em amido, fibras e nutrientes, é denominada ‘alimentação emergente’. Uma vez que a gordura contém muitas calorias e poucos nutrientes, a alimentação emergente conduz a um padrão nutricional caracterizado pelo aumento do peso corporal e de carências nutritivas.”
Esse relatório concluiu que a população destes países apresenta um perfil de alto risco, definido pela prevalência da obesidade e níveis de tensão arterial e colesterol sanguíneo significativamente superiores ao de países com baixa incidência de doenças crónicas e hábitos alimentares saudáveis. É importante lembrar que os bons hábitos alimentares devem ser incentivados desde cedo, já que os factores que conduzem progressivamente às complicações cardíacas e ao cancro têm início na infância.
Osteoporose
A osteoporose figura entre as doenças decorrentes da alimentação. Esse problema ósteo-articular resulta da desmineralização óssea e pode ser causada por dois factores: pouco cálcio circulante ou grande eliminação de cálcio pela urina. O factor responsável pela osteoporose nas sociedades ocidentais não é a insuficiência de cálcio, mas sim a eliminação excessiva pela urina. E mesmo o suplemento de cálcio é frequentemente insuficiente para equilibrar as perdas excessivas desse mineral.
No lado oposto do padrão alimentar emergente, os vegetarianos, em todo o mundo, eliminam muito menos cálcio, e é esta a razão pela qual apresentam menores taxas de osteoporose, apesar de ingerirem menos cálcio do que os não-vegetarianos.
Em 1988, a American Dietetic Association, a maior entidade a reunir dietistas de todos os Estados Unidos, já tinha dado o seu veredicto: “...Uma considerável gama de dados científicos sugere uma relação positiva entre o estilo de vida vegetariano e a redução do risco de diversas doenças crónico-degenerativas, como a obesidade, a doença coronária, a hipertensão arterial, a diabetes e o cancro do cólon, entre outras. ... Os vegetarianos também apresentam taxas reduzidas de osteoporose, cancro de pulmão e da mama, cálculos renais e biliares e doença diverticular.”osteoporose
O relatório continuava: “Embora as dietas vegetarianas supram ou até mesmo excedam as necessidades proteicas, elas oferecem, tipicamente, menos proteína do que as dietas não vegetarianas. Esse menor consumo de proteína deve ser benéfico, uma vez que se encontra associado a um menor risco de osteoporose nos vegetarianos, além de uma melhor função renal em indivíduos com lesões preexistentes. Um menor consumo de proteínas geralmente reflecte uma alimentação com menos gordura, e as suas vantagens inerentes, uma vez que os alimentos ricos em proteínas são frequentemente ricos em gordura. É postura da American Dietetic Association que as dietas vegetarianas são saudáveis e nutritivamente adequadas quando planeadas de forma apropriada.”
Proteína X Cálcio
O consumo de proteínas afecta as necessidades diárias de cálcio. O seu consumo elevado acelera a eliminação do cálcio. Nesse caso, o consumo de aminoácidos sulfídricos deve ser o factor determinante, pois são mais amplamente encontrados nas proteínas animais do que nas vegetais. As pesquisas têm mostrado que o consumo excessivo de proteínas impede o corpo de reter cálcio. De facto, a proteína tem o que é tipicamente referido como “relação inversa” com o cálcio: quanto mais proteína se come, mais cálcio se perde.
A proteína, especialmente de origem animal, é ácida. No corpo, essa carga ácida deve ser calculada para manter o pH do sangue equilibrado. Com o intuito de contrabalançar a carga ácida da alimentação, os ossos são dissolvidos para libertar cálcio e fosfatos. Os fosfatos alcalinos neutralizam os ácidos. É por isso que as proteínas têm sido consideradas um equivalente à “chuva ácida”.
Em geral, os alimentos animais são ácidos e os vegetais, alcalinos. Portanto, a alimentação dos ocidentais deve ser o factor que acelera a sua perda óssea. Em consequência do excesso de proteína animal, mais uma importante mudança no organismo levará à osteoporose com grave comprometimento renal: os rins eliminam enormes quantidades de cálcio libertadas pelos ossos no sangue, que não serão compensadas pela absorção intestinal.
Pesquisas científicas nas últimas décadas descobriram diversos mecanismos pelos quais a proteína animal causa a eliminação de cálcio na urina, sendo a causa primária da osteoporose.
Num estudo conduzido pela Escola Médica da Universidade do Texas, em Dallas, publicado em 1988 no Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, os cientistas compararam a eliminação urinária em indivíduos normais que receberam dois tipos diferentes de alimentação: uma contendo apenas proteínas vegetais e a outra somente proteína animal. Ambas as alimentações eram idênticas na quantidade de proteína, sódio, potássio, cálcio, fosfato e magnésio.
A eliminação urinária de cálcio foi 50% maior no período da alimentação de proteínas animais do que durante a alimentação de proteínas vegetais. Os autores concluíram que a incapacidade dos indivíduos em compensar a perda de cálcio urinário, induzida pela proteína animal, poderia predispor ao desenvolvimento de osteoporose e cálculos biliares nesses indivíduos.

O Paradoxo do Cálcio
Noutra publicação, o American Journal of Clinical Nutrition, foi divulgada uma pesquisa que estudou 1600 mulheres do sudoeste de Michigan usando o método fotónico de medição directa de densidade osteomineral. As mulheres com oitenta anos de idade, vegetarianas há pelo menos vinte anos, apresentaram apenas 18% de redução mineral óssea, enquanto as da sua idade que tinham a alimentação típica americana apresentaram uma redução de 35%.
No amplo estudo realizado pelo Dr. T. Colin Campbell com 6500 chineses, descobriu-se que, apesar da maioria dos chineses não consumir lacticínio algum, apenas obtendo o cálcio dos vegetais, a osteoporose é rara na China. O consumo de cálcio naquele país é equivalente a 50% do consumo de cálcio entre os norte-americanos. “Ironicamente”, diz o Dr. Campbell, “a osteoporose tende a ocorrer nos países onde o consumo de cálcio é mais elevado (o paradoxo do cálcio), proveniente na sua maioria de lacticínios ricos em proteínas”, que causam uma perda de cálcio maior do que a quantidade consumida.
Na sua maioria, os chineses consomem proteínas vegetais. Das 64.1g de proteínas que consomem por dia, 60g são de origem vegetal. A alimentação norte-americana diária inclui, em média, 90 a 120g de proteínas, mas apenas 27g são de origem vegetal. Além disso, os americanos são estimulados a consumir até 1500mg de cálcio por dia. Já a alimentação chinesa inclui, em média, 554mg de cálcio por dia. No entanto, enquanto os chineses apresentam uma baixíssima incidência de osteoporose, os norte-americanos, que ingerem grandes quantidades de proteínas e são estimulados a consumir maiores quantidades de cálcio, sofrem índices epidémicos de osteoporose.
Outro exemplo são os Bantu em África, onde as mulheres consomem em média apenas 50g de proteínas por dia. Isso é menos de metade da proteína consumida pela maioria das mulheres norte-americanas. No entanto, os Bantu apresentam baixos índices de osteoporose. Outras populações africanas revelam o mesmo padrão: consumo relativamente baixo de proteína e cálcio, com baixos índices de osteoporose.

Fracturas da Bacia
A alimentação vegetariana desses povos possibilita que absorvam mais cálcio do que os povos que consomem uma alimentação baseada em produtos animais. Apesar de tudo, a Comissão de Alimentos e Nutrição da Academia Nacional de Ciências norte-americana ainda aconselha as mulheres a consumir entre 1000 e 1500mg de cálcio por dia. Essa mensagem soa muito bem aos ouvidos do pessoal do Conselho Nacional de Lacticínios e dos fabricantes de suplementos de cálcio. Eles têm convencido as mulheres de que elas não podem suprir as suas necessidades de cálcio de forma adequada sem ingerir lacticínios ou tomar comprimidos de cálcio. Ironicamente, com base nos estudos populacionais, as pessoas que consomem mais cálcio apresentam os ossos mais fracos e as taxas mais elevadas de osteoporose.

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SUPLMENTOS
Quanto à “necessidade” de suplementos proteicos, sabemos que as proteínas animais aceleram o desenvolvimento natural de animais vegetarianos. Por esse motivo, os criadores utilizam rações elaboradas com partes de outros animais, com a sua gordura, drogas, medicamentos e toxinas, que deverão alojar-se na criação e em todos os que se alimentarem dela. Acontece que essa “engorda rápida” também acarreta maturação sexual psicologicamente prematura, além de envelhecimento e morte precoce pelas doenças relacionadas com essas proteínas: cancro, osteoporose, doenças cardíacas e renais.
Os suplementos de cálcio sob a forma de pílulas (incluindo antiácidos) fornecem poucos benefícios à saúde óssea, além de reduzir a capacidade de absorção de ferro em 60% e poder levar algumas pessoas à obstipação intestinal e às suas graves consequências.
Quanto aos efeitos antioxidantes dos suplementos vitamínicos, são infinitamente inferiores aos dos alimentos vegetais de onde têm origem. O importante é seguir a dieta como um todo, eliminando a ingestão desnecessária de proteínas, gorduras e açúcar, nocivos à saúde.
As fracturas da bacia são mais comuns nas nações industrializadas onde a proteína animal é ingerida em maior quantidade do que nos países
menos desenvolvidos. Quando os investigadores observam os países onde as fracturas da bacia são mais comuns, descobrem uma correlação directa entre as nações onde os indivíduos apresentam um elevado consumo de proteína animal. Nos países onde o povo usa vegetais como fonte primária de proteína, os índices de fractura da bacia são baixíssimos. A China e a África servem como exemplo.
Os estudos têm demonstrado que um consumo entre 150 a 200mg de cálcio por dia é adequado às necessidades da maioria das pessoas, mesmo durante a gestação e a lactação. Na realidade, a maioria da população mundial ingere de 300 a 500mg de cálcio por dia. O cálcio é tão eficazmente absorvido pelo intestino humano, e tão presente na alimentação de toda a humanidade, que a deficiência de cálcio por razões dietéticas é desconhecida nos seres humanos. Só naqueles lugares onde se consome cálcio e proteína em quantidades excessivas é que se observa deficiência de cálcio ósseo a níveis epidémicos. Os problemas de saúde comuns dos grandes consumidores de lacticínios incluem alergia alimentar, anemia, aterosclerose (que leva aos ataques cardíacos e derrames cerebrais), cancro da mama, do ovário e útero, diabetes, obesidade e graves infecções com ameaça de morte derivadas de vírus e bactérias comuns em animais.

Excesso de Proteínas
A civilização ocidental parece ter grande paixão pelas proteínas, infelizmente para a sua própria ruína. Acreditam e levam outros a acreditar que a proteína confere força e resistência. Na verdade, são os hidratos de carbono (amido) que conferem energia ao corpo humano. Um adulto necessita não mais do que 20g de proteínas por dia, para repor e reparar as células, mas um americano, por exemplo, consome, em média, cerca de 100g diárias.
casal_12865039.jpgO excesso de proteínas tem uma ampla variedade de efeitos negativos no organismo, envolvendo a função renal, além da perda de cálcio e outros minerais dos ossos e tecidos. Os pesquisadores estimam que duplicando o consumo de proteínas se aumenta em 50% a perda de cálcio na urina. Por outro lado, a redução no consumo de proteínas põe fim à perda de cálcio dos ossos.
É bom lembrar que o solo é a fonte primária de todo o cálcio da terra, e que as plantas tornam esse mineral disponível aos animais e também aos seres humanos, em deliciosos e coloridos pacotes digeríveis. O trato intestinal dos seres humanos possui um alto grau de eficiência que, sob quase todas as circunstâncias, é capaz de absorver cálcio suficiente às necessidades do corpo. As células intestinais agem como reguladoras da quantidade do cálcio que entra no corpo. Quando o conteúdo de cálcio da dieta é baixo, uma percentagem relativamente maior de cálcio será absorvida dos alimentos. Se a alimentação for rica em cálcio, apenas será absorvida uma pequena percentagem. As necessidades do corpo regem os factores que regulam a entrada de cálcio nas células da parede intestinal. Uma alimentação baseada em vegetais é rica em cálcio e em todos os outros nutrientes de que o organismo carece.


Rogério Frossard
Nutricionista especializado em medicina desportiva

in saudelar.com

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